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"Os arquétipos também são facilmente observáveis na literatura e nas artes em geral. Nos contos de fadas podemos identificar as tarefas que o ego infantil deve superar durante seu crescimento. A história de João e Maria mostra que, quando as crianças são fragilizadas pela falta de capacidade dos pais em alimentá-Ias amorosamente,
elas são levadas a uma jornada solitária pela floresta, onde são seduzidas com doces e guloseimas pela bruxa malvada. A falta de um ambiente familiar acolhedor e amoroso requer que os filhos desenvolvam por si próprios a capacidade de superar simbolicamente o aspecto regressivo da mãe que vive da vida dos filhos, uma grande mãe devoradora.
O caráter atual do conto também pode ser observado na problemática alimentar da anorexia e da bulimia, que se tornou bastante comum na cultura contemporânea. A ditadura da moda de magreza extrema obriga, principalmente as jovens, a um padrão anatômico por vezes incompatível com o bem-estar físico e revelador de uma base afetiva bastante frágil. Ou seja, ser benquista hoje está profundamente associado (e estimulado pela mídia) a um corpo escultural, uma pele impecável (de bebê) ou a uma roupa que esconde as formas femininas no seu aspecto maternal. Vemos com isso dois aspectos do arquétipo da Grande Mãe: o positivo - quando sua imagem é reverenciada nos rituais de renovação do Ano Novo - e o negativo - como na magreza excessiva,na tentativa de vencê-Ia para passar para um novo arquétipo. No processo evolutivo, observamos também os movimentos ecológicos como uma maior consciência da mãe Natureza, antes menosprezada e vilipendiada.
A passagem do arquétipo da Grande Mãe para o do Pai Espiritual é ilustrada na história dos Três Porquinhos e o Lobo Mau. Aqui vemos a necessidade de fortalecimento do ego para enfrentar as adversidades do crescimento, deixando a casa da mãe
para construir um mundo independente. Ao depararem com o Lobo Mau, o aspecto negativo da figura paterna, eles percebem que uma casa feita às pressas com material frágil é facilmente derrubada pelo sopro da violência. A experiência vai ensinar que somente uma casa solidamente construída (ego forte e em contato com a realidade) pode lhes oferecer um abrigo suficientemente seguro, no qual podem sobreviver longe da proteção materna.
O arquétipo subjacente a essas histórias relaciona-se ao Mito do Herói, talvez o mais presente no mundo literário e cinematográfico em todos os tempos. De Tarzan, o rei da selva, a Neo, o herói de Matrix, a imagem arquetípica do jovem que é levado a desafiar valores predominantes da cultura nos ensiana a vencer obstáculos a aparentemente intransponíveis. Sua função libertadora ajuda a humanidade a confiar no aspecto transcendente e transitório da condição humana. Os símbolos presentes nessas histórias são também elementos facilitadores na integração de conteúdos inconscientes"
Ramos, Denise Gimenez e Machado Jr, Péricles Pinheiro, "Individuação e Subjetivação", In Pinto, Manuel da Costa (org). Livro de Ouro da Psicanálise, RJ, Ediouro, 2007, pagina 184.
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