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Sacrifício de Isac (1401), Filippo Brunelleschi
Em toda criação artística há que se considerar
alguns fatores ao mesmo tempo estéticos e sociais que se fundem
na obra com o próprio material empregado: as convenções
sociais e as tradições técnicas se associam ao repertório
de imagens que povoam a mente do artista. Alguns destes elementos analíticos
podem ser apontados na famosa disputa entre Ghiberti e Brunelleschi, por
ocasião do concurso para a construção das portas
do Batistério da Igreja de San Giovanni, ocorrido em 1401, em Florença.
Elementos de caráter social, tais como as convenções
do período, definidas nas relações entre a esfera
do público e a do privado, com as quais comumente os artistas conviviam
no momento da criação de sua obra.
Elementos de caráter estético, tais como a composição,
o traçado característico, as técnicas e as tradições
artísticas presentes na criação das duas obras. Sete
concorrentes se defrontaram com o triplo problema, mas a disputa afunilou-se
entre dois: Lorenzo Ghiberti e Filippo Brunelleschi. A distância
que os dois estilos guardam entre si alarga-se continuamente, quanto mais
o olhar se detêm sobre os dois relevos. Aos contemporâneos
não passou despercebido que se tratavam de dois caminhos distintos,
de dois processos criativos, desencadeando “acaloras discussões
não só entre os juízes,mas também entre os
cidadãos de Florença” de 1401(ARGAN, Giulio Carlo.
Clássico Anticlássico - O Renascimento de Brunelleschi a
Bruegel. São Paulo. Companhia das Letras, 2001).
Brunelleschi
nasceu em Florença, em 1377 e seu pai foi um notário, profissão
que se recusou a seguir. Além do concurso de 1401, participaria
de outro, em que novamente enfrentaria Ghiberti, referente à construção
da Cúpula da Catedral de Florença em 1418. Na arquitetura,
Brunelleschi deixaria marcas profundas, pois “durante cerca de 500
anos os arquitetos da Europa e da América seguiram-lhe os passos”.
Na pintura, seus estudos e escritos sobre a perspectiva geométrica,
da qual é considerado por muitos como sendo o inventor, se tornou
base para as gerações renascentistas seguintes.
Bruneleschi parte de uma tradição
florentina que se funde na obra de Giotto e dos Pisano. Prevalecem os
traços angulares, retilíneos, como linhas de força
que cruzam a composição realçados verticalmente pelo
ziguezague das pernas e do corpo de Isaac, atormentado pelo medo, e horizontalmente
pelo conjunto formado pelo braço esquerdo do anjo e direito de
Abraão, como “como um rápido jogo de alavancas...”.
“A fonte a que Filippo remete – acrescenta Argan - , passando
por cima da tradição plástica do fim do século
XIV, é Giovanni Pisano; demonstra-o o encadeamento da composição
e mais literalmente a analogia do gesto do anjo com um detalhe do Juízo
no púlpito de Pisa” .
Também em Brunelleschi podemos localizar elementos clássicos.
O servo que está do lado esquerdo é um comentário
do conhecido bronze romano (hoje no Museo Capitolino em Roma) que representa
um rapaz retirando um espinho do pé.
Argan salienta que a composição
de Brunelleschi cria uma estrutura própria a serviço da
expressividade que confere a suas figuras:
“A decisão das posturas, a energia dos gestos,...Abraão
optou pelo sacrifício, está decidido a realiza-lo, mas a
vontade do anjo contrasta com a dele – a ação dramática
nasce e termina neste contraste. No centro da composição
a mão do anjo que aferra o pulso de Abraão, as duas vontades
que se chocam, vértice da pirâmide que começa com
dois servos em baixo. “Um movimento único em cadeia, como
um rápido jogo de alvancas...”; O contraste de vontades é
que faz as ações e a história” .
O debate e o surpreendente contraste
entre os competidores não ocupou somente a mente dos juízes
e cidadãos contemporâneos da Florença do início
do século XV. Ainda hoje podemos exercitar diferentes análises
sobre cada um dos relevos. O resultado final alcançado por cada
um dos artistas leva LETTS, por exemplo, a concluir que a obra de Ghiberti
é melhor no aspecto descritivo, enquanto Brunelleschi o teria superado
quanto à narrativa.
“é a de Ghiberti [a melhor obra], tão maravilhosamente
harmonioso é o equilíbrio das duas partes em que ele dividiu
a composição, tão melodioso é o tratamento
do corpo de Abraão com sua elegante curva realçada pela
paisagem que reflui” .
OLSON é ainda mais contundente: enquanto Brunelleschi exibe uma
técnica “desajeitada” , Ghiberti, o vitorioso do concurso,
é elegante e sua composição seria então “unificada”,
graciosa. Brunelleschi teria falhado na integração das figuras
justamente por priorizar a narrativa.
“He [Brunelleschi] failed to integrate his figures, thus making
his narrative abrupt an jerk. By contrast, Ghiberti’s depiction
is unified pictorially an optically with light and landscape playing important
parts in his exquisitely chased panel. There is a graceful flow between
the Gotic proportioned figures and the Isaac embodies the idealism so
fundamental to classical art. Moreover, Ghiberti presents the narrative
with a seductive ease that belies the complexities of his composition,
overlaid with decorative charm and anecdotal details” .
Já Argan salienta que a composição de Brunelleschi
cria uma estrutura própria a serviço da expressividade que
confere a suas figuras:
“A decisão das posturas, a energia dos gestos,...Abraão
optou pelo sacrifício, está decidido a realiza-lo, mas a
vontade do anjo contrasta com a dele – a ação dramática
nasce e termina neste contraste. No centro da composição
a mão do anjo que aferra o pulso de Abraão, as duas vontades
que se chocam, vértice da pirâmide que começa com
dois servos em baixo. “Um movimento único em cadeia, como
um rápido jogo de alvancas...”; O contraste de vontades é
que faz as ações e a história” .
Em Ghiberti, “os gestos são indecisos – continua Argan
- não expressam vontade, mas intenção; e o anjo ainda
está longe no céu. O tempo da ação é
indeterminado, assim como o espaço. No centro da composição
a crista da rocha em diagonal; episódio dramático e figuras
anedóticas no mesmo plano.”a história é pretexto
para trabalhar a matéria”.
Ao adentrarmos, portanto, no problema narrativo e no problema expressivo,
o veredicto parece pender para o lado de Brunelleschi.
O contraste entre os dois processos criativos dos dois artistas fica mais
claro nos grupos centrais, como afirma Pope:
“Ghibertis’s are ideal figures, the Abraham stands with a
ritual knife in his right hand, and Isaac kneels resignedly upon the altar
as he awaits the blow.”; With Brunelleschi the figures are real;
the Abraham moves forward with horror-struck expression, wrenching back
Isaac’s head and plunging the knife into his throat, and the face
of Isaac is deformed by fear and pain” .
Bibliografia
ARGAN, Giulio Carlo. Clássico Anticlássico
- O Renascimento de Brunelleschi a Bruegel. São Paulo. Companhia
das Letras, 2001.
BAXANDALL, Michael. Padrões de Intenção: a explicação
histórica dos quadros. Companhia das Letras, 2006.
BAXANDALL, Michael. O Olhar renascente: pintura e experiência social
na Itália da Renascença. RJ. Paz e Terra, 1991.
OLSON, Roberta J.M..Italian Renaissence Sculpture. London. Thames And
H,, 1992.
POPE-HENNESSY, John. Italian Renaissence Sculpture. London. Phaidon, 1996
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